segunda-feira, 11 de abril de 2011

CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA CULTURA


Na cerimônia de entrega de um dos principais prêmios do teatro brasileiro uma surpresa: um grupo popular é premiado e, ao invés de agradecer, realiza um protesto contra a patrocinadora do evento, a companhia petrolífera Shell.

No momento do recebimento do troféu, a atriz Nica Maria, do Coletivo Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes, jogou óleo queimado, simulando petróleo, sobre a cabeça do ator Tita Reis, que em seu discurso ironizava o patrocínio da Shell. “Nosso coração artista palpita com mais força do que qualquer golpe de estado patrocinado por empresas petroleiras”, diz o ator.

O Coletivo Dolores foi premiado com o espetáculo A Saga do Menino Diamante, uma Obra Periférica, no último dia 15, na categoria Especial do 23º Prêmio Shell de Teatro, tradicional premiação que acontece em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Apesar de aplaudida por parte do público, a cena espantou muitos presentes no local, entre eles, conhecidos nomes do meio artístico paulista. A atriz Beth Goulart, que apresentou o prêmio, indignou-se com a atitude do Coletivo. “Receberam um carinho e deram um tapa”, disse.

De acordo com Luciano Carvalho, integrante do Coletivo, a reação desencadeada já era esperada. “Se fosse significativo [o protesto], a gente sabia que iam nos criticar”, conta.

O ator explica que a oposição do Coletivo não é somente ao fato de ser a Shell a financiadora do prêmio, mas à lógica onde se insere a produção artística brasileira, em que os grandes conglomerados econômicos passam a financiar e dizer o que é ou não é arte. “As grandes empresas tornam-se reis dos estados absolutistas de hoje e dizem o que é bom e o que é ruim. É como se fosse um polvo com todos os seus tentáculos infindáveis que estão, inclusive, na cultura, porque também é espaço de construção de ideologia”, afirma Carvalho.

Privatização

O protesto foi realizado para marcar a posição contrária do grupo teatral a este tipo de premiação que, segundo o ator, promove a hierarquização e gera a exclusão daqueles que não atendem aos padrões impostos pelos que controlam o prêmio.

Tal visão não é defendida somente pelo Coletivo Dolores. Grupos de teatro popular e comunitário alertam para a forma como está estruturada a política cultural no Brasil. “Esse tipo de prêmio expõe a maneira como essa área cultural e artística do nosso país está privatizada”, alerta Jorge Peloso, do Impulso Coletivo, grupo teatral de São Paulo.



A privatização do fazer artístico e a consequente exclusão gerada por ela são apontadas pelos atores como resultado da Lei Rouanet, instrumento do Ministério da Cultura (MinC) criado em dezembro de 1991 durante o governo Collor, que possibilita o financiamento das atividades culturais pela iniciativa privada em troca de incentivos fiscais. “É evidente que essas empresas vão escolher para financiar o espetáculo que lhes convém. Ganham muito mais, porque além de ter desconto no imposto de renda, ainda promovem suas marcas através de prêmios como este”, descreve Tita Reis, ator do Coletivo Dolores.

Para Carvalho, é necessário “tirar das mãos dos gerentes de marketing das empresas” o controle sobre o financiamento das produções artísticas e criar-se políticas públicas que contemplem todos os grupos.

Tramita no Congresso desde dezembro de 2009 a proposta de remodelação da Lei Rouanet. Trata-se do projeto de lei para criação do Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Procultura) que, segundo defende o MinC, democratizará o acesso a financiamentos, prevendo o repasse direto de recursos públicos para projetos que não interessam ao marketing das empresas.

Nos últimos dois anos houve intenso debate sobre o projeto. Grupos populares alertam que não adianta fazer modificações na lei se não for corrigido o seu erro de concepção: conceder dinheiro público a empresas privadas. Na visão deles, para além de aumentar os recursos públicos, é necessário acabar com a renúncia fiscal.


(Por Micheli Amaral, da Brasildefato)

Um comentário:

  1. Célia,

    Seja sempre bem-vinda ao meu blog.

    Também não sabia que o café tinha um dia internacional, mas descobri hoje, ao ouvir na TV.

    Gostei muito do seu blog, por isso estou seguindo-o.

    Volte sempre!

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